A primeira vez que ouvi o termo foi numa aula de Psicologia Sistémica (Psicologia da Família) no primeiro ano de Mestrado. Na altura, do alto da minha arrogância juvenil, achei os 60% de prevalência (número de mulheres que experienciam baby blues) um verdadeiro exagero – nenhuma das mães que eu conhecia havia (supostamente) passado por isso. Mais, sentia-me superior ao ponto de pensar que tal só ocorria com quem não queria mesmo ter filhos ou não tinha vocação para tal – “A mim jamais me acontecerá, tenho tanto jeito para crianças, certamente serei uma excelente mãe”.
Quando engravidei, embora se tivessem passado alguns anos e a arrogância juvenil desaparecido, continuava a acreditar que ser mãe era fácil, algo instintivo e natural, cuja complicação resultava do exagerado das pessoas. Ainda não me fazia sentido que alguém se sentisse triste após o nascimento do seu filho, um bebé que esteve na sua barriga vários meses, uma vida, uma família que iria nascer, alguém que iríamos amar e que nos amaria a vida toda – que motivos existiriam para ficarmos tristes e inicialmente rejeitarmos o pobre bebé?
A nossa filha nasceu através de um parto por cesariana. Por ter permanecido sentada até à altura do parto e por apresentar muito pouco líquido amniótico, o parto foi feito com alguma urgência. Foi tudo muito repentino, ao ponto de o pai que estava em Angola não conseguir chegar a tempo. Talvez pelo tipo de parto, ainda que a equipa tenha sido fantástica, a sensação com que fiquei foi a de que não houve uma transição – deitei-me na marquesa e em poucos minutos tinha a minha filha ao colo. Hoje sei que em termos hormonais, e não só, partos traumáticos, extremamente instrumentalizados e cesarianas contribuem para maiores dificuldades em lidar com o bebé e com toda a experiência da maternidade nos primeiros tempos.
Na mesma altura em que a nossa filha nasceu, nasceram outros bebés de um grupo de mães a que pertenço. A maioria das mães colocava fotos lindas, com um ar de tremenda felicidade, e escreviam belas declarações de amor para aqueles bebés que eram apontados como as melhores coisas das suas vidas. Do outro lado do ecrã, eu recriminava-me por não sentir o mesmo, por tudo me parecer complicado e não estar a seguir o rumo que eu considerava normal – ela chorava a tomar banho, adormecia imenso a mamar e acabava por comer pouco, dormia mal durante a noite; tudo comportamentos típicos de um recém-nascido, e de uma recém-mamã, mas eu culpava-me, sentia-me menos capacitada do que as restantes mães.
As duas primeiras semanas de vida da nossa filha foram marcadas pelas minhas lágrimas constantes – não era preciso um motivo forte, por vezes bastava-me olhar para ela para sentir que estava a fazer um péssimo trabalho. Chorava durante horas, outras vezes questionava-me se teria mesmo nascido para ser mãe (eu, que sempre vivi com a certeza de que essa seria a minha vocação), culpava-me por ter tomado essa decisão, sentia o peso da responsabilidade de cuidar de alguém para sempre e da falta de liberdade, imaginava-me presa à mesma rotina pela vida fora. No meio de tudo isto, a parte mais dura era não poder exteriorizar o que sentia – “Que raio de mãe pensarão que és? Isto que sentes e pensas não é bonito, não é normal, és a única assim, devias ter vergonha!”; de seguida surgia a pressão social para fingir que estava a adorar a experiência e por último a frustração e a culpa de o fazer.
Cerca de duas semanas depois, o meu corpo começou a habituar-se à privação do sono, às mudas constantes de fralda e ao choro dela; aprendi a tirar maior prazer da simples bênção de a poder admirar, do seu cheiro, da nossa pele colada enquanto a tinha ao meu colo.
Não existiu o dia, a hora, o local, em que o amor pela nossa filha nasceu. A protecção, o instinto, o altruísmo, nasceram no parto, contudo o amor como hoje o sinto não foi imediato, foi-se construindo dia após dia, à medida que nos fomos conhecendo, que partilhámos bons e maus momentos. Dois anos e meio depois, sou a figura central da vida da nossa filha, temos uma relação de grande proximidade, compreensão, em que ela confia e se apoia em mim sem restrições.
Para ti, que estás a viver uma situação de baby blues, deixo-te o meu colo. Sim, tu também precisas, não desvalorizes isso. Não subestimes a dureza que a experiência da maternidade pode ter ao início e o teu esforço para lidar com ela. Se esta transição te afecta tanto é porque a levas realmente a sério, o que é sinal de sensatez, compromisso e empenho. Mais, não interessa como a tua irmã, a tua prima ou a vizinha lidaram com os primeiros tempos enquanto mães, a TUA gravidez foi única, tal como o TEU parto, o TEU bebé, as circunstâncias que VOS rodeiam e TU! Estamos a falar de uma mudança significativa em que tens de te desorganizar por completo para de seguida voltares a encaixar todos os pedaços da tua vida de uma nova forma. É como que sem saberes nadar fosses atirada para uma zona sem pé, tens de aprender ali, no momento, sem lições nem grande preparação; a maternidade é isto – aprendizagens feitas a um ritmo alucinante, nem sempre à primeira, num universo cheio de situações imprevisíveis. A maior das imprevisibilidades com que terás de lidar, pois supera o que te relataram, é o amor que verás nascer entre ti e o teu bebé, ao vosso ritmo – a sensação de que ganhaste um grande propósito de vida, o arrepio quando ele te esboça o primeiro sorriso, as lágrimas nos olhos quando intencionalmente te coloca as mãos no rosto, o calor no coração quando te chama mamã pela primeira vez. Com o tempo, o VOSSO tempo, irás habituar-te à privação do sono, mudarás fraldas (literalmente) de olhos fechados, entrarás na rotina, passarás a conhecer melhor aquele a quem tens a honra de chamar filho, e tudo será mais simples, mais natural; irás vencer desafios e com cada obstáculo superado perceberás que afinal és capaz.
Tu és mulher, tu és mães, tu és vida, tu és amor – tens em ti o melhor do mundo, só precisas de tempo para o ver.